Capítulo 1 - Dia de Treinamento

MARCOS, YARI E BETO

Os três amigos começaram a avançar pela névoa. Talvez por não ter prestado atenção às palavras de Polarity, talvez por achar que não devia correr o risco de se destransformar, Thunderblade permaneceu com sua armadura rachada.

Os passos pesados da armadura do bilionário contrastavam com a caminhada silenciosa dos pés descalços de Haaji, que sentia na pele o frio daquele ambiente. Parecia ter acabado de amanhecer, e a névoa parecia uma cortina que envolvia tudo. A estrada os levou para baixo de uma grande colina, contornando grandes casas de madeira e cercas altas que pareciam vazias. Não havia canto de pássaros nem sons além do da floresta respirando bem baixinho. Nem mesmo havia vento naquele lugar, a garoa movimentava-se lentamente como nuvens no céu.

Quando começaram a enxergar os prédios e casas que se aglomeravam na entrada de Silent Hill...

-AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah!

Um grito desesperado e distante, de uma mulher ou criança. O susto fez os três amigos se calarem. O pouco que conseguiam enxergar das ruas além da entrada da cidade não revelava nada além de névoa e carros estacionados, com construções tornando-se cada vez mais transparentes e invisíveis conforme se afundavam na garoa. O grito pareca vir de uma construção além das primeiras casas.

Os poucos passos que o egípcio deu à frente pararam instantaneamente com o grito. A densa e úmida neblina, somado à atmosfera daquele lugar, arrepiou os pêlos da nuca do herói. Ele sabia que aquilo era falso, era realidade virtual, no fim estavam mesmo em uma sala de treinamento, mas não conseguia deixar de sentir algo próximo de medo. Joseph flutuava acima do grupo, Haaji e Arthur teriam que se preparar no solo.

O garoto respirou fundo e então, com apenas alguns segundos, a pele inteira do rapaz começou a elevar-se, como caroços que brotavam e desapareciam, revolvendo a pele que assumia uma coloração esverdeada até que um manto de folhas lhe cobriu inteiramente, voltando a assumir sua forma arbórea. - Certo... Vamos ver o que causou esse grito. - Falou, com sua voz levemente distorcida. A voz de Haaji quando usava sua forma arbórea soava o mais próximo do barulho do vento ao deslocar-se por entre as folhas das árvores.

Como já haviam sido treinados antes, Haaji alternaria de passos com Arthur, como se estivessem se movendo em círculos, para um poder cuidar da retaguarda do outro.

MARCOS, BETO E YARI


O rapaz de poder magnético elevou-se do solo emitindo um som vibrante e monótono conforme deslizava seu próprio campo de força sobre o campo gravitacional da terra.

Thunderblade, mais abaixo, encarou os dois colegas antes de respirar fundo. Ergueu seu antebraço, revelando sobre a manopla de sua armadura um desenho azulado em alto relevo. O estudante tocou-o com a ponta de seus dedos, e este imediatamente começou a brilhar. Um estouro de luz azulada ocorreu, para lentamente perder força. No lugar do grande herói de armadura, estava o franzino bilionário Arthur McClain.

Um segundo toque sobre a tatuagem em seu pulso repetiu o processo, e dessa vez da luz azulada emergiu a figura de Thunderblade, mais uma vez, recoberto com sua armadura polida e nova em folha, apenas com parte de seu rosto a mostra. Haaji assistiu a transformação, abanando a mão no ar para desfazer o vapor azulado que dominava o ambiente sempre que Arthur se transformava, deixando tudo com um cheiro suave de ar ionizado.

Tudo pronto, os dois começaram a caminhar para o interior da cidade. Enquanto Joseph cobria o céu lentamente, podia enxergar melhor o local onde haviam sido mandados: estava totalmente deserto. Como se a cidade inteira tivesse sido evacuada. Mas os carros estavam perfeitamente estacionados, e as casas, fechadas.

Caminhando pelo asfalto úmido pela garoa, a dupla no chão se diferenciava pelos passos pesados da armadura de Thunderblade e pelos pés macios e abafados pelas folhas de Greenboy.

O grito havia vindo de uma escola infantil localizada na esquina de uma avenida. Um grande diferencial estava ali: havia um carro, coberto de malas e equipamentos de pesca, estacionado no meio do cruzamento. Seus faróis estavam ligados, e haviam alguns salgadinhos no banco e no chão, como se o motorista estivesse comendo e de repente abandonado o veículo as pressas. Os semáforos estavam apagados. O silêncio incomodava demais. A escola não era muito grande, constituída de um total de três construções. Estavam isolados do resto da cidade por uma cerca baixa de metal e um pequeno jardim com gnomos de pedra.

-BLAM! BLAM!

Dois tiros vindos de dentro da terceira construção da escola, que podia ser perfeitamente vista tanto por Polarity, graças a sua perspectiva aérea, quanto por Greenboy e Thunderblade que, do quintal, podiam ver através do pátio o prédio no fundo da propriedade.

A janela ao lado de uma porta escrito "SALA DE BALLET" se partiu quando um corpo voou através dela. Era um homem com uma jaqueta de couro parda, com uma pistola em sua mão. Ele capotou sobre a grama e sobre os pedaços de vidro, apressado e com medo. Sangue banhava sua camisa.

A porta da sala de Ballet foi arrancada do lugar por um golpe, e a madeira se partiu em um estouro, revelando no interior da sala uma criatura alta, embora as sombras tornassem impossível enxergar sua forma real.

Vendo a criatura arrebentar a porta, o homem imediatamente começou a se arrastar de costas em direção dos heróis, e quando os percebeu, começou a gritar em desespero. -Socorro! SOCORRO!

Os passos cautelosos avançavam em direção do local do grito, Arthur e Haaji alternavam a guarda um do outro conforme avançavam, esperava que pelo menos isso Robert notasse. Os disparos fizeram os heróis apressarem o passo, e quando o homem foi arremessado do ginásio, Greenboy correu à frente expandindo seu corpo de folhas e atravessando as grades como se elas nem existissem em seu caminho.

- Vá pela esquerda, Thunderblade. – Falou, contornando a garagem de modo que tentasse ser o mais furtivo possível. Os passos apressados logo chegaram no outro lado do pátio, ainda encoberto pela parede, mas sempre mantendo o contato visual com o ginásio e os companheiros de equipe.

Haaji transmutou sua mão em madeira sólida enquanto usava a mesma técnica de antes transformando seus pés em um emaranhado de cipós enrolados como molas, quando tivesse contato visual com a criatura, atacaria em conjunto com os colegas de equipe.

Quando tudo aquilo começou a acontecer - os tiros, o vido quebrando com o homem ferido saindo, e a porta arrebentando com o golpe da criatura, Thunderblade, que agora estava com a armadura no devido estado, pressionou os punhos, pronto para qualquer possível emergência. As armas estavam prontas. O que quer que aquele monstro fosse, iria fatiá-lo tão bem quanto um sushimaster faz com o sushi.

Silenciosamente, acenou com a cabeça para Polarity acatando o comando, e fez o mesmo com Haaji, e então foi a passos lentos porém rápidos pelo lado esquerdo, até ficar próximo do homem e da criatura. Naquela posição, estaria pronto para proteger o homem ou avançar na criatura, ou os dois, o que fosse necessário.

(creio que deva ter um muro, se tiver, o Thunderblade vai escalá-lo mas evitando fazer muito barulho)

O grupo agiu rápido e em harmonia, guiado talvez mais pela vontade geral de satisfazer Robert e abandonar a sala de simulações do que pelo interesse pela proposta do treinamento. Polarity pousou seus pés em frente ao homem caído, abrindo seus braços enquanto cobria o homem, e a si mesmo, com um campo de força protetor.

Ao falar com o sujeito, percebeu seu rosto retorcido em horror. Sabia que ele não passava de um fantasma virtual, de uma simulação como todo o resto naquele universo, mas as lágrimas escorrendo pelo seu rosto, o medo em seus olhos e o vermelho de seu sangue pareciam assustadoramente reais. Ele estava em choque e não respondeu.

Enquanto isso seus colegas agiam.

Quando Greenboy e Thunderblade aproximaram-se da porta arrombada, uma enorme espada projetou-se da parede. A lãmina, grande como uma prancha de surf, atravessou os tijolos como se fossem manteiga, avançando em direção ao garoto de folhas.

Um par de murros estraçalhou o que restava da entrada do ginásio, e dali emergiu uma criatura enorme. Um ser humanóide grotesco, com mais de dois metros de altura, vestindo apenas um longo avental feito de pele humana. Sobre sua cabeça havia um enorme elmo em formato de pirâmide, manchado de sangue, e o ser grunhia como se sua própria existência fosse dolorosa.

http://www.nefariousfilms.com/Images/Monsters/silent_hill_wallpaper_pyramid_head.jpg

Thunderblade recuou da lãmina extremamente comprida do monstro, que a agitava com esforço e fúria, apenas para perceber que ela se dirigia em direção de Polarity e de seu protegido. O monstro ergueu sua pesada espada e deixou-a cair, e certamente teria cortado Polarity em dois se a arma não se chocasse violentamente contra o campo de força, cessando seu movimento.

Com os olhos arregalados, Thunderblade e Greenboy, mas laterais da criatura, percebiam pedaços de sangue e ossos pendurados no corpo graúdo daquele monstro. E com horror perceberam que ele carregava na outra mão o cadáver de uma criança mutilada, sem as pernas e com a pele totalmente arrancada do corpo. Seus músculos expostos e seus olhos sem vida abertos causavam um choque horrível.

[Yari e Beto rolam 1d20 para não ficarem apavorados com a cena. Só precisam tirar 9 no dado. O personagem do Marcos tem um lado malvado dentro dele, então pode passar com um 4]

BETO, YARI E MARCOS

É conturbador enxergar o vermelho vivo do sangue quente pingando do cadáver torturado, e o fedor que a enorme criatura exala faz as narinas arderem. Aquela criatura parecia envolta por uma aura de morte e carnificina que exigia dos heróis foco para que suas mentes não se perdessem.

Se para Greenboy e Thunderblade era necessário engolir seco e segurar o estômago para se recordarem que nada daquilo é real, Polarity apenas retesava sua respiração um pouco. Ele havia visto os corpos de seus pais bem de perto e essa experiência de certa forma moldara seu coração. Para algo mais frio.

[Vocês podem agir normalmente]

Thunderblade, embora não estivesse necessariamente paralisado de medo, também não estava 100% lúcido. Aquele monstro fazia juz ao termo "monstro". O cheiro de sangre lhe deixava enojado, quase ao ponto de vomitar ali mesmo. A visão do sangue pingando do cadáver era terrível. O que raios o Professor estava pretendendo com uma simulação daquelas?!?

Por um instante, olhou para Polarity... E notou que ele não parecia nem um pouco abalado. Pelo contrário, de certo modo, parecia que ele estava apreciando aquilo... O que havia de errado com ele?

Mas, iria deixar as perguntas para depois. Aproximando-se do monstro com cuidado, Arthur iria esperar para ver se os ataques de Polarity surtiam efeito. Em caso positivo, iria literalmente escalar suas costas com suas lâminas, o mais rapidamente possível, para então golpear seu pescoço com força máxima. Aquilo tudo, obviamente, fazendo força para manter seu auto-controle.

Se não fosse por estar em sua forma arbórea, Haaji com certeza estaria suando frio naquele momento. Os lábios de folhas comprimiram-se enquanto o jovem ia, sorrateiramente, de encontro à Joseph. É só um jogo... É só um maldito jogo... Repetia mentalmente. Passou 17 anos num vilarejo pobre no Egito, onde um rádio já era considerado o máximo de tecnologia, mas nos meses que já estava no Instituto, foi fácil se familiarizar com inúmeros jogos, Silent Hill fora um deles, que fazia o egípcio ter calafrios na coluna cada vez que jogava.

O campo de força de Joseph protegia o homem da simulação virtual, mas agora o colega de equipe revelava-se um pouco mais sádico do que Haaji conhecia. Tentáculos de cipó ou braços de madeira não seriam suficientes para penetrar no campo de força e tirar o colega de seu transe... Mas podiam evitar que Joseph fizesse a cabeça de Pyramid Head ficar menor que uma sardinha.

Arthur já avançava em direção em direção do monstro e Joseph fazia questão de usar seus poderes magnéticos para manipular o arsenal do mesmo. Robert já havia chiado uma vez pelo uso “excessivo” da força com os inimigos, Haaji não estava disposto a escutar aquilo pela segunda vez no dia... Ainda mais que o instrutor poderia querer se vingar e colocar mais uma sessão intensiva de treinamento depois daquela.

- JOSEPH, NÃO!! – A voz do herói soava como um sopro em meio às folhas das árvores, mas naquela hora, se assemelhou a um trovão naquele local. Usando a mesma técnica de antes, o herói transformou suas pernas em molas de cipó e então se lançou em direção de Pyramid Head antes que Arthur pudesse alcançá-lo. Cruzou os braços frente ao corpo e transmutou-os em madeira maciça, iria atingir como um míssil o inimigo. Não era por compaixão, mas precisavam parar de agir com letalidade... Já fizera isso no treinamento passado, e sabia que não podia decepcionar Robert e Henshaw novamente.

YARI, BETO E MARCOS

Pyramid Head, no alto de seus quase dois metros de altura, ergueu lentamente sua enorme espada enferrujada, preparando-se para golpear. Thunderblade sentiu que um golpe daquela lãmina maciça seria suficiente para atravessar até mesmo sua armadura. Mas Polarity não permitiria que isso acontecesse.

A espada do monstro começou a vibrar, ganhando força conforme o campo magnético crescia ao redor da arma. Pyramid Head, sem olhos e sem face que pudessem expressar sentimentos, simplesmente agarrou o cabo da espada com ambos os braços, fazendo as veias e músculos podres incharem enquanto mediam sua própria força contra a força magnética do mutante.

Joseph percebeu que aquela espada, de metal estranhíssimo, parecia resistente ao seu poder. Normalmente dobraria uma arma daquele tamanho com a mesma facilidade que descascaria uma banana. Mas Polarity havia se deixado tomar por um desejo sinistro, e não desistiria tão fácil. Se uma mão manipulava o campo magnético da arma, a outra testaria a resistência do elmo do monstro.

O metal escuro e tosco daquela enorme pirâmide ensangüentada começou a ranger. Para o desgosto de Polarity, ela não espressava medo, e nem dor. O metal foi sendo embrulhado como uma bola de papel ao redor da cabeça da criatura, até desfigurar o formato geométrico da armadura. Sangue negro escorria pelas feridas e pelos cortes que o metal fazia ao espremer a cabeça da criatura como uma fruta.

A cena era medonha, e tanto Arthur quanto Haaji assistiam com olhos arregalados. Thunderblade decidiu por terminar a batalha com seu colega, avançando contra a criatura com sua espada banhada em energia. O herói perfurou-lhe as costas e arrancou nacos de carne escura do monstro até jogá-lo de joelhos ao chão. Pisou sobre seu peito com a bota metálica da armadura do trovão e preparou-se para desferir o golpe de misericórdia no monstro. Ele ainda se sacudia conforme Polarity o torturava mas de súbito uma sombra se aproximou dos heróis.

Haaji saltou, sua forma arbórea expandida em um emaranhado de ramos, tentáculos, galhos e gavinhas, na tentativa de impedir seus amigos de cometer um homicídio, mesmo que fosse um homicídio simulado. Chocou-se contra o corpo blindado de Thunderblade com força suficiente para fazê-lo recuar alguns passos e tropeçar, e da mesma forma envolveu com seus galhos o globo de energia onde Polarity se encontrava. Todos se engalfinharam em um mar de folhas e lascas de madeira.

Coincidindo com o tumulto no chão, o mundo de Silent Hill pareceu esbranquecer e clarear. Os prédios desapareciam aos poucos, revelando suas arquiteturas geométricas, as árvores eram desfeitas como meros dados de computador. O universo girou e os heróis se sentiram sem chão, até finalmente abrirem os olhos com a exaltação dos sentidos de quem acorda debaixo do sol.

Ao invés do sol, porém, havia a forte iluminação dos holofotes da Sala de Treinamento. E bem diante dos heróis estava a figura carrancuda de Robert B. Dwayne, encarando os jovens atirados no chão, sujos e exaustos. Estavam deitados no chão metálico e frio de um grande galpão arredondado. A face de Robert era um misto de desapontamento com ira. Seus olhos vermelhos estavam espremidos e sua face, brutalmente sóbria.


-Me expliquem o que vocês acabaram de fazer. -Era nítido que cada palavra solta pelos lábios do instrutor era fruto de um esforço enorme para não cuspir berros.

O que Polarity fazia era assustador, quase tanto contra o próprio monstro... Arthur via o elmo do monstro se deformar e esmagar lentamente a cabeça do próprio monstro, fazendo o sangue negro do mesmo jorrar pelas feridas, embora ele não demonstrasse sentir dor. E, por mais assustado que estivesse, Thunderblade tinha que terminar aquilo.

Haaji interrompeu a ação conjunta dele e de Polarity, no entanto, ao transformar-se em um mar de folhas e galhos que interrompeu os dois. E, em seguida, a simulação desapareceu, deixando ambos de volta à sala de treinamento.

E logo veio Robert com aquela expressão que Arthur já conhecia bem, era a expressão que dizia "preparem-se para um sermão". Aliviado por não estar mais naquele cenário assustador, o ricaço suspirou antes de respondê-lo.

- Faço de minhas as palavras de Joseph. Além disso, era ele ou nós.