Uma Jovem Rainha, uma Velha Bruxa, um Novo Mundo

Melissa pareceu ignorar a presença do herói do seu lado. Ela apenas observava a águia das neves, e observava aquelas torres iluminadas. Após um breve tempo analisando a estrutura das torres, voltou-se para o herói e falou de forma pausada e alta, o que demonstrava que havia ouvido tudo que ele disse antes.

_Muito bem. Você pode me mostrar onde fica a entrada e a escadaria daquela torre? - apontou para o prédio mais alto de todos. _Eu vou subir atrás dela.

Walkman flertava um poste de luz com os olhos, enquanto a guerreira lhe pedia auxílio sobre como alcançar o terraço da grande construção. -Você passa pela porta giratória e vai até os elevador... -Suspirou ao ver que a mulher não tinha a menor idéia do que podia ser um elevador. -Espere um pouco.

O herói girou o botão ao lado do grande fone em seu ouvido, mudando a música que batia forte em seus tímpanos. Parecia aumentar o volume. Suas mãos começaram a tremer levemente, e o rapaz forçou os punhos enquanto caminhava em direção do poste de luz. -ADORO ESSE SOM, CARA. -Exclamou em tom bem alto, antes de acertar o poste com um murro que partiu-o em dois. A parte de cima do poste despencou no chão, com faíscas partindo para todo lado.

O herói tratou de recolher e arrebentar os cabos que haviam sido totalmente desconectados das caixas de força, recolhendo-os como se fossem cordas. -DESCULPEM, PESSOAL... -Gritou para as pessoas, enquanto a guerreira observava a grande ave pousar em uma grande antena no topo do prédio.

-Talvez seja mais fácil com isso. -Mostrou os cabos de força, os quais começava a dar nós com sua força para que formassem uma espécie de corda enosada.

A rainha viu o herói derrubar outra estrutura estranha daquele mundo com as mãos. Se ele havia feito isso, ela podia agir da forma mais rápida. Tudo naquele lugar era muito desconhecido para Melissa, e ela até então tinha procurado entender como tudo funcionava ali. Então a ruiva se aproxima de Walkman, colocando sua espada de volta na bainha. O herói havia feito uma espécie de corda.

_Creio que exista um modo ainda mais simples. - disse ela, pegando uma ponta da corda e amarrando na própria cintura com tanta força que mataria uma pessoa normal. Espera o herói fazer o mesmo.

E então Melissa começa uma escalada pela parte de fora do edíficio, com as mãos nuas. Em Meduna já havia escalado montanhas mais altas e com trechos tão verticais quanto aquela parede. Cada vez que subia, cravava os dedos na parede, e pedaços de reboco caíam dela. Não eram muito grandes, felizmente, pois alguns acertaram a cabeça de Walkman, que, cuidadosamente, se erguia pela corda amarrada em sua cintura e aproveitava os buracos que a guerreira já havia feito para subir.

O super-herói e as outras pessoas nas calçadas assistiram com horror a mulher enfiando os dedos na sólida construção, e braçada a braçada, iniciar uma longa subida. O próprio herói engoliu seco quando percebeu a força da mulher, desprendendo-se do cabo com um sorriso amarelo.

-Putz! Pode deixar! Eu sigo sozinho! -Exclamou, enquanto ele mesmo se agarrava à construção, embora contasse de saltos e acrobacias para subir andar por andar, agarrando-se em janelas e sacadas. Melissa havia enfrentado desfiladeiros e escalado muralhas em meio a chuvas de flechas, sempre de mãos nuas. Não seriam as frágeis torres daquele mundo estranho que a impediriam de enfrentar as criações da Bruxa Branca.

Saltando de ponto em ponto pelo arranha-céu, a mulher conseguiu finalmente alcançar seu terraço, enfiando as mãos já brancas de concreto em uma gárgula imóvel que encarava as luzes da cidade. Com vento chocando-se com força contra seus longos cabelos vermelhos, a mulher ouviu o sonoro piado daquela enorme ave, que lá do alto se assemelhava ao trovão que anuncia uma tempestade.

O monstro saltou de seu poleiro, batendo as asas com força enquanto neve mágica despencava de suas penas brancas. Passou como uma nave por sobre a cabeça da guerreira, quase a derrubando, e começou a contornar o prédio para tentar agarrar a Rainha com suas presas afiadas.

-Como se chama esse bicho mesmo? -Perguntou Walkman aos berros, enquanto finalmente alcançava o terraço em um longo salto.

_Se não tomar cuidado, poderemos chamá-lo somente de "o bicho que lhe matou". - respondeu ríspidamente a Rainha enquanto arrancava um grande pedaço do gárgula que estava no terraço do edifício. Aquela não era uma hora propícia para conversas. _ABAIXE-SE! - gritou ao perceber que a águia aproximava-se novamente.

Enquanto aquela besta vinha em sua direção com as garras e presas prontas para atacá-la, Melissa girou o grande pedaço do gárgula para ganhar impulso, e o atirou com força diretamente contra a águia das neves, o que fez com que a estátua se espatifasse e voassem pedaços dela por todo lado.

A mulher ergueu a rochosa estátua com ambas as mãos, equilibrando-se sobre o estreito muro do terraço. Esperou o momento certo, com a águia quase sobre sua cabeça, quando arremessou a gárgula violentamente contra o pássaro.

A ave fora acertada de raspão, bloqueando seu ataque. A criatura rodopiou pelo ar, caindo por alguns instantes até recuperar seu vôo com poderosas braçadas de suas asas. Walkman, por outro lado, acompanhou o trajeto da gárgula com olhos assustados.

-Não! Merda! Tomara que não acerte ninguém! -Exclamou, até ver que o corpo rochoso acertou um ônibus lá embaixo. -Assim não vai dar certo! Deixa que eu chamo a atenção dele! Se prepara!

E o herói então retirou sua jaqueta de couro, correndo agilmente por cima da murada para então saltar na grande antena de ferro que se erguia sobre o prédio. Com uma das mãos segurando a torre, usou a mão livre para sacudir a jaqueta no ar, gritando para o pássaro que voltava para o topo da construção, com seu enorme bico azul arregaçado de fome.

-PASSARINHOOOOOO! AQUIEEEE! Vem me pegar, vem!

Melissa rapidamente desembainhou sua espada ao ver que o homem chamaria a atenção da águia. Apesar de não parar calado um minuto, não podia negar que o ele possuía coragem. Ou quase...

Observando e aguardando o momento certo em que a águia estivesse concentrada somente no ataque, ela pulou nas costas do animal, com a espada nas mãos, segurando-se com a outra. A águia perdeu altura rapidamente, e ela aproveitou para atravessar a cabeça do animal com sua afiada espada. Depois a puxou de volta, e o sangue do animal jorrou pra todo lado. Ela então saltou e tratou de segurar-se em alguma sacada ou janela do prédio.

A Rainha Guerreira saltou no ar, com arma em punho, e atingiu em cheio o corpo coberto de plumas daquela ave gigante. Não contava porém com a impressionante força da criatura, que a rebocou para fora do prédio em alta velocidade.

Mulher e animal místico se debateram em um vôo irregular, cruzando os altos prédios da cidade, a cada curva chegando mais próximos de se chocarem contra um dos prédios. A criatura voava tão rápido que a Guerreira não conseguia se equilibrar para desferir um golpe certeiro, e ao olhar para frente, Melissa fechou os olhos pouco depois de perceber a aproximação dos vidros espelhados de um prédio de advocacia.

O monstro e a mulher invadiram o andar, estilhaçando seus vidros e levando consigo mesas, armários, arquivos e cadeiras, capotando pelo piso até finalmente alcançarem o outro lado do andar. A criatura seguiu reto, partindo as grandes janelas de vidro para então seguir em queda livre, enquanto que a Rainha conseguiu alcançar no último instante o pé de uma mesa, sendo arrastada para fora da janela até que, por ironia, o cabo do telefone fixo sobre a pequena mesa se esticasse completamente, mantendo a mulher pendurada a uma altura de cem metros apenas pelo fio telefônico.

Enquanto a águia seguia em queda livre, o fio que segurava a mesa, que era a única coisa que impedia Melissa de cair como o animal, começava a estalar como se fosse arrebentar. A Rainha Guerreira de Meduna olhou para cima de forma alarmada, obviamente aquela estranha corda não aguentaria a sua volta até o andar em que os vidros estavam quebrados.

Tomando impulso uma única vez, ela chutou com toda a força a janela que estava ao alcance de seus pés, escorregando através da abertura para dentro do prédio. Ela caiu no chão exausta e ofegante, e ficou assim por alguns instantes. Depois, tomada por uma repentina sensação de dor na face, ela sentou-se sobre o chão macio de escritório e tirou o elmo, observando seu rosto refletido nele. Estava com alguns estilhaços de vidro presos nele, que a adrenalina a impedira de sentir até aquele momento . Ela, lentamente, começa a removê-los com as mãos.

A Rainha sentou-se sobre o carpete cheio de cacos de vidro, entristecida. Limpou seu rosto lentamente, não por preocupação pelos pequenos cortes em sua face, mas com o mundo que agora parecia tão distante. Perguntava a si mesma se Kratia e as outras seriam capazes de sobreviver a magia da Bruxa Branca sem o comando de sua Rainha.

Diante dos ventos frios e da lua pálida e sem graça daquele ambiente tão alienígena, Melissa nunca se sentiu tão sozinha. Guerreiras de Meduna não choram, nunca choraram. Mas os olhos da valente heroína ardiam por dentro, e talvez pela primeira vez em sua vida, a mulher sentia medo.

Não soube dizer quanto tempo ela ficou ali, sozinha e aflita, até que o som de alguém escalando os andares do prédio lhe chamaram a atenção. A cabeça de Walkman surgiu na janela, suado e sem fôlego. Ela não sabia, mas ele havia corrido seis quadras até alcançar o cadáver do pássaro. -O teu amigo está...indo embora... -Exclamou enquanto largava o corpo para dentro do andar, deitando ao lado da mulher com o peito subindo e descendo.

Melissa apoiou-se na borda da janela, observando que lá embaixo a ave desaparecia em cinzas, fazendo os curiosos se assustarem e deixando para trás apenas os destroços de sua queda: um buraco no asfalto e dois automóveis amassados inteiramente. Magia. Não teve como não se perguntar se o mesmo ocorreria com ela se ela tivesse caído. E também se perguntou se a criatura estava agora morta, ou se tinha voltado para o Reino de Meduna.

Walkman removeu os fones dos ouvidos, e o som de Shiny Happy People tomou conta do andar. -Não me olhe assim, REM me ajuda com escaladas. -Disse ele, respirando fundo. O herói estendeu a mão coberta pela luva azul, oferecendo-a para um aperto amigável. -Do começo de novo? Me chamam de Walkman e meu poder vem da música.

Durante o longo tempo em que ficou ali, Melissa sentia-se completamente perdida, num mundo que não era seu. Observou ao seu redor na sala escura alguns objetos totalmente desconhecidos para ela, como computadores, por exemplo. Ela estava completamente perdida. E completamente só. Ver aquela águia ali a deixou mais preocupada com Kratia e seu povo do que nunca. E se com a quebra do Portal dos Mundos - que indiretamente foi ela quem causou - o reino todo tivesse desaparecido? E se mais alguém de Meduna tivesse sido transportado para aquele lugar com a águia das neves e ela própria? Ela tinha que procurar.

Foi quando o herói que havia ajudado na luta contra a águia entrou pela janela. Melissa sentiu-se feliz em ver, desde que chegara ali, ao menos um rosto que já conhecia. Olhando pela janela, ela viu o estrago que a criatura causou e que tinha se transformado em cinzas.

Depois Melissa voltou-se ao homem que tirava uma espécie de elmo que cobria seus ouvidos, e a sala encheu-se de música. Ela olhou com curiosidade para aquilo, enquanto o homem falava. Seria um artefato mágico, e aquele sujeito, um feiticeiro?

Ele estendeu sua mão na direção dela. Não era comum em Meduna, mas, instintivamente ela reproduziu o movimento do homem.

_Certo. Walkman, da música. Eu sou Melissa Medrow, Rainha e Comandante das Tropas de Meduna. No momento... - disse com certo pesar enquanto ainda segurava em sua mão e olhava para o herói. _Uma rainha sem reino.

A Rainha e o rapaz trocaram um amigável aperto de mãos, e então começaram a conversar. Walkman nunca havia ouvido falar no reino da mulher. Nunca havia visto um troll, nem testemunhado o voar de um dragão. Não sabia quem eram os Cavaleiros do Sol e a palavra "Krohm" não dizia nada para ele, embora este fosse o nome do deus da morte das terras da Rainha.

Walkman por outro lado falou que a mulher estava em um reino de nome Estados Unidos da América do Norte, o qual achou um tanto longo. Aquela era a cidade de Nova Iorque, e era muito mais extensa que qualquer cidadela que a guerreira já havia visto.

Walkman lhe disse, apontando para o céu de poucas estrelas, que aquele reino, assim como todos os outros, eram protegidos de grandes ameaças graças a uma companhia de homens e mulheres fabulosos chamados MÁXIMOS, e que havia um homem, que pela descrição de Walkman, Melissa entendeu se tratar de um deus, que há décadas vivia como o herói de todos os povos do mundo, e se chamava Milagre.

Explicou que os MÁXIMOS viviam em uma Torre no céu, e que dificilmente desciam de lá, pois estavam sempre ocupados com grandes ameaças. -Não me entenda mal, os caras são muito bons. Mas acho que lá de cima do satélite deles eles perdem muita coisa. É por isso que eu tento fazer a minha parte aqui em NY.

Melissa entendeu que as pessoas daquelas terras eram extremamente frágeis, e que alguns homens e mulheres especiais, como Walkman e muitos outros, vestiam máscaras para se manterem anônimos enquanto tentam ajudar essas mesmas pessoas fracas.

Quando questionou como poderia chegar aos MÁXIMOS, que entendeu serem grandes magos, Walkman disse que não tinha idéia de como fazê-lo.

-Mas eu conheço alguém que pode ajudar você. -Explicou. -É um dos homens mais inteligentes que eu já conheci. Talvez ele saiba uma forma de você voltar para casa. Mas pra isso vamos ter que sair daqui, porque não vai demorar para a polícia tomar o prédio. Que tal?